O chef Saburó fala sobre o aproveitamento total do melhor atum do Brasil

O chef Saburó fala sobre o aproveitamento total do melhor atum do Brasil

André Saburó, 43, é um dos maiores especialistas em atum no Brasil. Em seu restaurante Quina do Futuro, que nasceu há 34 anos no Recife na casa de sua família, faz o aproveitamento total do peixe.
Filho de imigrantes japoneses, Saburó foi persistente para aprender seus ofícios não só como sushiman mas também como líder de restaurante. Guarda imagens de seu pai, apreciador de receitas sertanejas tradicionais, cozinhando. “Eu ia com ele ao mercado, aos seis anos, via os peixes enormes. Lembro dele de avental, em casa, criando, testando novos produtos, e eu sempre experimentava”, conta.

Foi seu pai quem adaptou pessoalmente a casa da família para acolher a Taberna Japonesa Quina do Futuro, enquanto, no paralelo, Saburó traçava uma longa e dedicada trajetória antes de assumir a liderança da casa.

Ao desistir da faculdade de economia para se tornar cozinheiro, seu pai o submeteu a todas as áreas de um restaurante. Na pia onde começou, aprendeu uma das lições que carrega até hoje. “Meu pai disse que para ser respeitado na cozinha, era preciso ser o melhor naquilo que fazia, então eu fui o melhor lavador que pude.”

Foi ainda auxiliar de cozinha, garçom, caixa, entregador de delivery, auxiliar do tio em outro restaurante japonês, no qual aprendeu a fazer corte e a manusear facas, antes de dividir o balcão do Quina ao lado do pai, como aprendiz.

Mais tarde, Saburó viajou pelo Brasil, conheceu chefs, experimentou a complexidade de temperos, produtos e técnicas, e se apaixonou pela culinária brasileira. “Isso me impulsionou a misturar a cozinha tradicional japonesa a ingredientes brasileiros, sem desrespeitá-la.” Serve de exemplo a combinação que faz do missô (pasta de soja) com rapadura e castanha-de-caju torrada, no lugar do açúcar mascavo e do gergelim.

O desafio em aproveitar ao máximo o atum surgiu de um incômodo na geração de resíduos após o tratamento do peixe. “O peixe é gigante, tem muita parte óssea, muito músculo, couro. Vi que o atum era o boi do mar e se do boi se aproveita tudo, eu vou aproveitar tudo do atum.”
Hoje, Saburó utiliza o corte que antecede a cauda, geralmente desprezado, para fazer o que chama de stinco de atum, em referência à canela do boi.

Com um corte altamente fibroso, faz o que batizou de atum de sol, submetido a uma cura de cerca de três dias. Sua estrela, porém, é o sushi de atum com lardo, fatiado tão finamente que fica translúcido. A mistura do atum magro com gordura remete às raízes japonesas, e o lardo, extraído da gordura do pescoço do porco e curado por um ano, faz esse papel. “Conseguimos homenagear dois grandes produtores de Pernambuco em um prato só, o meu fornecedor de atum, e o Yaguara Ecológico [que produz porcos caipiras e os processa].”

Seu peixeiro, aliás, é o recifense José Renato Safadi, 31, que seguiu os passos do pai. “A segunda geração teve uma certa vergonha de ser peixeiro, mas agora está todo mundo voltando às origens, com mais foco na qualidade”, diz.

Segundo seu relato, a preocupação no beneficiamento do peixe começa ainda no barco de pesca, com assepsia, sangramento, retirada das vísceras e da cabeça, conservação no gelo envolto por panos de algodão.

Na indústria, os atuns são classificados em quatro padrões de qualidade –o mais alto indica que o peixe é fresco, translúcido e de textura firme. Antes integralmente exportado, foi Saburó quem estimulou a manutenção de alguns exemplares no mercado interno.

Os clientes passaram a perguntar, disse Saburó, se aquela carne era atum. “E diziam: ‘Nunca vi nessa tonalidade, nessa cor, nessa textura, nesse sabor’. E a gente naquela vibração porque o peixe foi melhorando de qualidade, e a gente bancava pro nosso cliente pernambucano ter oportunidade de provar um atum com a mesma qualidade que ele come aqui, em Nova Iorque, em Tóquio.”