Fartura Gastronomia no Inhotim: Manifesto Maniba

Por uma gastronomia brasileira original ao redor do mundo

Fartura Gastronomia no Inhotim: Manifesto Maniba

Foto de capa: Nereu Jr.

Em 1922, artistas, intelectuais e escritores viviam o auge do Modernismo, criando coletivamente uma arte que fosse capaz de transmitir o que o Brasil é. A literatura, a dança, a música, a pintura e tantas outras manifestações tornaram-se os signos máximos de nossa brasilidade. A Semana de Arte Moderna defendeu a ideia de que comemos cultura, mas não apenas a engolimos. É preciso interpretar e internalizar a base dos povos que influenciaram a nossa construção nacional e trazê-la para uma realidade própria. Antropofagia no seu sentido literal: alimentar-se de si mesmo, incorporar as qualidades do indivíduo que é comido e vingar o povo morto pelo bando do prisioneiro.

Cem anos depois, sonhamos novamente em fazer o mesmo, mas desta vez, com a nossa gastronomia. Uma comida colorida, saborosa, afetiva, cheia de ginga e de técnicas únicas. Uma culinária ensopada nos saberes indígenas, cozida na tradição africana, influenciada pela gastronomia portuguesa, mas não só. Se o Brasil é feito por mãos de tantas origens, nossos sabores não poderiam ser diferentes. Carregamos influências italianas, francesas, espanholas, chinesas, japonesas, libanesas e de tantos outros lugares que acolhemos em nosso país. Abrimos braços e paladares, mas sem deixar de colocar boas pitadas dos nossos temperos.

Um mundaréu de culturas, uma mistura, um bem-bolado, uma confusão. A base de tantas nações, nascemos brasileiros. Um prato cheio. Um povo miscigenado e diverso – como mostraram os modernistas. Por aqui, comemos a gastronomia do mundo inteiro, mas sempre mexendo panelas com a colher de pau herdada pelos povos originários, servindo refeições na cuia e usando a folha de bananeira com toda sua versatilidade.

Se cada sociedade se expressa e fala de si mesma na maneira como cozinha e se alimenta, somos o mundo inteirinho dentro de uma nação, sem perder nossa essência caipira, caiçara e amazônica. Somos latinos e indígenas. Somos muitos Brasis em um só território. São tantos ingredientes que nós mesmos nos surpreendemos com a riqueza da nossa diversidade. Temos várias diferenças, mas também muito em comum. Da mesa mais fartas às mais humildes, compartilhamos receitas e ingredientes, muitos deles, fundamentais para nossas sobrevivências e identidades. Mandioca, mani, maniba, maniva, macaxeira ou aipim. Não importa a variação ou o sotaque. A raiz é a grande responsável pelo povoamento do Brasil. Um produto nacional, unificador e multiplicador. A farinha que faz milagre, aumentando o que é pouco e engrossando o que é ralo. É comida de sustância, de resistência.

Um século depois do Manifesto Antropófago, em que Oswald de Andrade clamava aos artistas brasileiros por originalidade e criatividade, lançamos o MANIFESTO MANIBA – Movimento Alma Nacional Independente Brasileira Alimentar. Nosso propósito é mostrar a importância de cuidarmos de nossas relações com a comida, algo urgente e latente, já que a gastronomia é um dos mais fortes vínculos culturais que formam a identidade de um país. Entendemos que é preciso proteger o que nos é mais caro dentro da gastronomia: o cuidado com os ingredientes, o respeito pela terra e o aproveitamento integral dos alimentos. Abraçar os cinco pilares que nos trouxeram até aqui: sustentabilidade, criatividade, afeto, inclusão social e diversidade cultural. Defender os nossos modos de fazer e nossas técnicas genuínas. Provar que a gastronomia é um importante fator social e econômico, capaz de mudar a realidade de milhões de pessoas.

Continuar caminhando e construindo a gastronomia do Brasil, sem perder de vista a terra firme. Celebrar o multiculturalismo sem tirar os pés do nosso chão. Nossa terra, onde nasce a maniba, que em tupi guarani significa mandioca brava, precisa ser protegida e valorizada. Nossas origens devem ser reverenciadas e conhecidas por aqui, mas não só: queremos ir além-mar. Conquistar e desaguar nos cinco continentes levando a verdadeira comida brasileira, aquela que abraça, extrapola fronteiras e reúne tantas culturas em uma só mesa. O legado cultural brasileiro, já tão renomado e celebrado ao redor do mundo, também precisa tratar da nossa gastronomia: o que e como comemos, as pessoas que estão envolvidas em todos processos da cadeia produtiva, nossas técnicas e nossos saberes populares. Conhecer nossos ingredientes, suas origens e respeitá-los.

Se a cozinha é uma forma de se conectar, estamos prontos para compartilhar sabores, aromas e texturas com todo o mundo, sem deixar de lado a importância de olhar para dentro e plantar as raízes do conhecimento e da consciência. Levar o Brasil, sua gastronomia e sua riqueza para o mundo é uma das nossas formas de redescobrir nossas ancestralidades, integrar a comunidade local e perpetuar a ampla diversidade que tempera o que fazemos com tanto empenho e afeto. O Brasil pode, e deve, continuar sendo lembrado pelas suas paisagens exuberantes, suas manifestações artísticas brilhantes e pela sua história tão plural, mas também pode ser conhecido pelos olhos que brilham diante de pratos cheios de personalidade e pela boca que saliva com gostos incomparáveis, pelos nossos doces tradicionais feitos no tacho e pelas bebidas típicas de cada uma de nossas regiões. Queremos surpreender o mundo com os nossos ingredientes e nossa criatividade, mostrando que nossas técnicas, nossas histórias e tradições, trazem um sabor único à nossa comida e nossa identidade. Mais que o nosso sonho ou nosso desejo, essa é a nossa missão.

Brumadinho, 01 de maio de 2022.